sexta-feira, 3 de abril de 2009

April x Vicky

ANTES DE COMEÇAR, SAIBA QUE EU CONTO O FINAL DO FILME.

Saindo do cinema depois de ver "Revolutionary Road", estava um pouco frustrado com. As expectativas eram baixas, eu realmente não estava esperando muita coisa. Tenho preconceito forte contra o par Leo e Winslet, acho que não preciso explicar por quê.

No entanto, fui capturado pelo filme. Por causa dos diálogos, principalmente, é um filme muito bem escrito. Tem também o fato de que, não eprtencendo à geração que nasceu depois da chegada da MTV ao Brasil, eu não gosto de confusão entre videoclipe e filme. Gosto de poucos cenários e que eles sejam simples. Para me agradar, um filme não precisa necessariamente ser teatral, apesar de que desconfio que, se eu fizer uma lista dos meus 50 filmes favoritos de todos os tempos, muitos deles vão ser assim (exemplos: "Quem tem medo de Virginia Woolf?" ou "Gota d'água em pedra escaldante"). Kate Winslet arrebenta. Ela é boa. O problema é que ela aceita qualquer trabalho.

A frustração veio com o final. Eu e o Carlos, no corredor do cinema, chegamos à conclusão de que queríamos que a história fosse a de uma feminista: a mulher oprimida, enjaulada na condição de esposa, aborta, deixa o marido, vai atrás de seu sonho e se muda para Paris, onde vai começar uma campanha de libertação de suas companheiras de luta. Ficamos indignados com o fato de que ela morreu no final e o machismo triunfou.

Só que "Revolutionary Road" filme não é sobre feminismo. O tema não é a condição miserável da mulher nesse mundo machista. April não foi punida por querer abortar. Ela cometeu suicídio, já que sabia que sua gravidez estava avançada demais para ser interrompida, menos ainda por ela mesma no banheiro de casa. O pior de tudo é que os motivos da solução da narrativa são claros, Carlos e eu que ficamos cegos, esperando a luta política.

A mediocridade é que é o tema. As estupidez nossa de cada dia. O desejo de fugir disso, de ter, ver, fazer outra coisa. A vontade de estar do lado dos loucos, ou do lado de fora, ou só de não estar aqui.

E isso tudo muito de verdade, não como Cristina, a personagem irritante interpretada por Scarlett Johanson em Vicky Cristina Barcelona. Cansei disso, sabe? De personagem que é muito especial porque é inquieto, louco, artístico, não sabe o que quer e só sabe o que não quer. Aliás, essa bobagem de quer-nãoquer é ainda anunciada no começo e no fim, por personagens de boca cheia. Achei um pé no saco isso, e que Woody Allen está muito velhinho pra esse tipo de inquietação.

Mas Cristina não serve para comparar com April, porque ela não tem consciência de sua mediocridade (talvez fosse interessante saber se Woody Allen sabe que Cristina é medíocre). Vicky é quem tem de enfrentar a questão. E ela acha, no fim das contas, que a mediocridade não é tão ruim assim. De bom humor, eu entenderia que o filme é meio zen. Woody Allen, porém, está longe disso, acho. Então eu achei besta, um filme desses que condena as personagens desnecessariamente.

Fora a comparação das personagens, "Vicky Cristina Barcelona" ainda é um filme meio ruim (pode ser que seja ruim pra um novaiorquino, que pode ver qualquer filme que queira, em Manágua "filme ruim" adquiriu outro sentido, e eu ando menos exigente). Como é que uma personagem especialista em cultura catalã não sabe um mu de catalão e, tendo a oportunidade de estudar um idioma, escolhe o espanhol? Que é que Oviedo tem a ver com a Catalunha? Que grande resistência ao mundo globalizado faz um poeta que escreve numa das dez línguas mais faladas do mundo e se recusa a se expressar em outra língua? Se fosse catalão, faria sentido. E tanto faz, porque ninguém lê o que o poeta escreve.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Regravando I: Major Tom

Não vou poder falar muito, porque não sei direito quem é essa banda I Hate Kate. A versão que achei de "Major Tom", hit pop de 1984 - e talvez único do artista, pelo menos em escala mundial - do alemão Peter Schilling, não é muito muito diferente do original (ou melhor, da versão em inglês do próprio autor). A voz é outra, mais jovem, mais de roquezinho americano dos anos 00. Tem mais guitarra e menos sintetizador. Não é melhor que o original, mas é bem bacana.

Pra quem quiser ouvir (só áudio, carrega num instante):
http://www.youtube.com/watch?v=sTZJ3UKSCfk

Nota editorial: por enquanto estou achando boa idéia postar versões de música que encontro na Internet, e falar um pouco sobre elas. Talvez seja uma série pequena no Resenhógrafo.

"The Painted Word", Tom Wolfe

Ganhei o livro do César, amigo e colega de Ministério, servindo na Jamaica. Li em duas sentadas. E escrevi um mail pra ele. Aí que eu acho que está bastante aproveitável pra publicação em blog. Até porque em blog se publica qualquer coisa...

Abre aspas:

Oi, César.

Recebi o livro, finalmente. Li em duas sentadas. Acho que você quersaber o que foi que eu achei. Olha, tem que ver que Wolfe quandoescreveu isso estava em campanha. Aliás, criando sua própria vanguardapara falar mal de burgueses etc etc etc. Achei que o texto estavacumprindo seu papel, e que está mais integrado ao sistema, ao "monde"do que Wolfe gostaria de admitir. Afinal, gente pra pôr o dedo na carade Greenberg, Rosemberg, Steinberg e Iceberg é condição sine qua nonpara a existência de Greenberg, Rosemberg, Steinberg e Iceberg.

Em nenhum momento Wolfe analisa linguagem. Ou seja, ele não está olhando para a arte moderna nem para a arte contemporânea da época dele. Nenhuma obra é discutida em termos de recursos de linguagemvisual, tudo é visto como atitude. De fato houve isso, atitude,comércio, "plot" de rico novaiorquino para transformar NY numa cidade"du monde". Normal. Mas tem coisa boa na arte moderna. Até Pollock, que eu pessoalmente não acho tudo isso, bom, ficar perto de um Pollock grande, com várias cores, é agradável, tem efeito visual, uma pessoa pode olhar e não precisar de teoria para curtir aquilo. O bla bla bla do Greenberg sobre Pollock é uma chatice. O Rosemberg não é esse monstro todo, nem Steinberg. Iceberg afundou o Titanic.

É um manifesto, né. O Wolfe está fazendo exatamente o que um bom modernista deve fazer: colocando um monte de achismo com exclamação junto no papel, e buscando seu lugar ao sol como o "enfant terrible". Tudo para fazer parte do monde como o cara que fala mal do monde, como aquela passoa que deixa as pessoas pensando "ooooooh". Detrair para ascender. Muito comum em qualquer meio artístico.

Não achei ruim, não. Achei documental, apenas. Não serve para aprender sobre arte, é mais um documento de uma época. Aliás, meio desinformado. Por exemplo, o modernismo não se suspendeu nos anos 30. Aliás, o primeiro manifesto surrealista é de 1930.

E meio bobo, né? Tem tanto estudante de graduação em artes plásticas falando a mesma coisa... O Wolfe já estava meio velho em 1975 pra escrever tão ingenuamente.

Crítica valente que eu acho é o texto de Mikhail Bakhtin sobre Dostoievski. Pena que eu não vou encontrar por aqui pra te mandar. E um escritor que eu acho muito legal e que de verdade critica o que Wolfe gostaria de criticar de verdade, por sua reserva e tranquilidadee ausência no frufru do "monde", além da perfeição de linguagem (vamos combinar, né, "Fogueira das Vaidades" é chato pra caralho), é o Pynchon. Esse sim é macho.

Abração e obrigado pelo presente.

: fecha aspas.

domingo, 8 de março de 2009

"History of the main complaint", William Kentridge

Primeiro, se quiser saber antes do que é que estou falando, assista (o filme dura 5 minutos e 40 segundos), clicando no link abaixo. Sempre existe a opção de ler primeiro. Dá na mesma, no final.


"History of the Main Complaint" é mais um filme da série "Drawings for Projection", de William Kentridge, artista sul-africano, branco. A animação é composta por 21 desenhos em carvão e pastel seco, cada um alterado através de apagamentos e reconstrução, de forma que cada cena se faz com apenas um desenho. A escolha de material de pigmentação de textura suave, porém extremamente matérica, faz com que cada apagamento deixe rastros. Essas cicatrizes podem ser um elemento de interpretação: cada situação deixa marcas, ou, ainda, o movimento e a mudança ocorrem, mas nunca completamente.

De fato, assistindo aos outros filmes anteriores a "History...", vê-se que o processo de cura por que passa o personagem o leva não à mudança, mas a algo poderia ser lido como aquilo que ele já era antes. Os desenhos finais, que mostram o milionário de volta a sua mesa - posição de poder e autoridade - já foram parte de outra animação.

O milionário é Soho Eckstein, porco capitalista sul-africano que, ao entrar em coma, vai entrar em contato com seu inconsciente. A memória se ativa com os sons de escritório (telefone, máquina registradora, etc), que o levam a uma paisagem desolada, cortada por uma estrada. Nela aparece um negro morto, que desencadeia a lembrança do espancamento. A imagem é trazida de volta, a culpa do branco fica evidente, mas nada é resolvido: o paciente se restabelece e pronto.

O próprio apagamento do desenho é repetido no mata borrão, que vai apagando os focos de dor ou doença na radiografia, enquanto ela é de Soho Eckstein. Depois, o limpador de pára brisas apaga as cruzes vermelhas que ficaram no vidro, evidência da culpa do branco. A queixa principal, então, é descoberta, mas, como no passado, é apagada, e esse apagamento reverbera por toda a obra.

A obra é de 1996, ano em que se estabelece a Comissão para a Verdade e Reconciliação (iniciativa que a Igreja Católica repete em regiões destruídas por guerras ou situações de conflito social intendo - na Nicarágua, onde moro agora, existe uma também). Kentridge, como branco, faz seu mea culpa. Na África do Sul eram comum os julgamentos, em que vítimas do Apartheid davam testemunhos de seu sofrimento e humilhação, e buscavam reparação pelos crimes contra os Direitos Humanos de que foram objeto.

Funcionou? A resposta de Kentridge não é fechada. Soho Eckstein volta a ser o explorador que sempre foi, mas o "peso que o mantém inconsciente" (do prõprio autor), flutua. O que será feito disso, quem sabe? Trazer à tona é parte do processo de cura. Mas o paciente da animação saiu do hospital, e não houve conclusão definitiva da História.

A busca de resposta para a mesma questão aparece em "Shikasta", de Doris Lessing, livro da pentalogia "Canopus in Argus" (quem quiser ter uma idéia do que é que estou falando: http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,947537,00.html). Vou tentar falar pouco, pra não estragar o livro: há aí um julgamento dos opressores, os opressores fazem seu mea culpa (na cena intencionalmente patética, por exemplo, de um espanhol se jogando em lágrimas aos pés de alguns indígenas, por exemplo). Mas não é isso o que vai mudar o mundo. O que muda mesmo, é o desastre total, o fim dos meios de sobrevivência, e a eliminação do mal através da eliminação do próprio homem.

Disclaimer: essa resposta também não me deixa satisfeito...